Lucas Gelape*
Telma Hoyler**
Tradicionalmente, o Congresso Nacional dispensa os parlamentares de comparecimento em suas sessões na semana do São João para que eles participem das comemorações em seus estados de origem. Esse ano não foi diferente. Enquanto isso, parte substantiva da opinião pública critica essa medida sob o argumento de que ao se ausentar do plenário ou da participação em comissões, os deputados não estariam trabalhando.
O mito de que legisladores só trabalham quando estão dentro do ambiente institucional é bastante propagado, e não poderia estar mais distante do que mostra tanto da teoria quanto da prática.
Dados da onda de 2013 da Pesquisa Legislativa Brasileira mostram que 76% dos deputados federais afirmam que a visita às bases eleitorais e contatos direto com os eleitores é essencial para o futuro eleitoral de um congressista. Enquanto isso, 44% consideram essencial participar de votações, e somente 15% deles afirmam o mesmo para seus discursos parlamentares.
Outras pesquisas mostram resultados semelhantes, seja entre deputados federais, deputados estaduais ou vereadores. Por exemplo, em pesquisa realizada com 422 vereadores de 44 municípios mineiros (Núcleo de Estudos sobre Política Local da Universidade Federal de Juiz de Fora), somente 3,8% deles declararam que a principal forma de atender os eleitores que os procuram é por meio de projetos de lei.
Legisladores representam bases eleitorais por meio de um exercício da representação política que não se esgota nos debates parlamentares e votações legislativas. Em artigo publicado em 1977, os cientistas políticos Heinz Eulau e Paul Karps (da Universidade Stanford) apontaram que a responsividade – isto é, a capacidade de um político responder ao seu eleitor – teria quatro faces: a de políticas; de serviços; alocativa; e simbólica.
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O engajamento em debates e o exercício do voto em projetos de lei abarcam a responsividade de políticas, tradicionalmente vista como mais relevante, seja pela opinião pública ou pelo espaço dedicado pela Ciência Política a ela. A responsividade de serviços envolve o atendimento de demandas individuais do eleitorado, e a alocativa a de destinação de recursos (como as emendas parlamentares) para determinados setores.
A responsividade simbólica se traduz em atender a uma expectativa representativa do eleitor, não traduzível em medidas concretas (como um voto; um auxílio individual ou destinação de recursos). Isso ocorreria, por exemplo, em visitas e engajamento em atividades importantes para as suas bases eleitorais.
Em nossas pesquisas, seja no nível federal, estadual ou municipal, encontramos evidências claras da importância da responsividade simbólica tanto para políticos como eleitores. A participação de políticos em festas locais; eventos religiosos; campeonatos esportivos amadores e outros eventos do tipo são recorrentes em nossas observações etnográficas, em entrevistas e na pesquisa em publicações de redes sociais. Nesse contexto, os festejos de São João são dos mais relevantes para os deputados da região Nordeste.
O mito do político longe do povo, recluso em seu gabinete, oculta a existência de eleitores privilegiados, que podem se deslocar às capitais ou se misturar a eles em coquetéis das altas rodas de poder. Já os eleitores com menos capital (político ou social) dependem de tais visitas para ter algum contato, mesmo que distante, com seu representante.
A liberação de todos os parlamentares na semana de São João, porém, pode ser debatida em termos do seu formato. Alguns assuntos podem ser debatidos com a presença virtual ou mesmo sem a presença de alguns parlamentares. Além disso, o sistema de deliberação remota, introduzido durante a pandemia, tornou-se um importante instrumento de poder da presidência da Câmara dos Deputados, e deveria ser utilizado com comedimento, para que a deliberação legislativa não saia prejudicada.
Se alguns limites podem ser impostos à liberação de políticos para visitas às suas bases, é salutar descolar o debate sobre as formas e qualidade da representação daquele sobre a organização dos trabalhos de casas legislativas. Afinal, a responsividade simbólica segue um aspecto central para que eleitores se sintam representados.
Lucas Gelape é pesquisador de pós-doutorado no Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (FGV-CEPESP), doutor em Ciência Política pela USP
Telma Hoyler é Pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-USP) e da Global Research Network on People and Parliaments (GRNPP-EOPP), doutora em Ciência Política pela USP
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